Nova Lei de Improbidade Administrativa: A continuidade da tipificação de atos ímprobos na Lei das Eleições

Figura publica sendo presa por aceitar propina

Em um cenário jurídico em constante evolução, a reforma da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) com a Lei 14.230/2021 trouxe mudanças significativas. Muitos questionam se essas alterações afetam a tipificação de atos ímprobos previstos em outras leis, como a Lei 9.504/1997, conhecida como Lei das Eleições. 

A dúvida central era se a nova redação da LIA poderia excluir condutas já caracterizadas como ímprobas por normas específicas, como as relacionadas ao abuso de poder e à utilização indevida de recursos públicos nas eleições.

Recentemente, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou essa questão ao decidir sobre um caso envolvendo um vereador que utilizou um celular institucional para fins eleitorais. 

A decisão não apenas confirmou que a reforma não afastou a tipificação de tais condutas como improbidade administrativa, mas também reforçou a aplicação das penalidades previstas pela Lei das Eleições.

Neste artigo, iremos detalhar o que estabelece a Lei 14.230/2021, como ela interage com a Lei das Eleições e as implicações dessa decisão do STJ para a administração pública e a justiça eleitoral.

O que define a Lei 14.230/2021 e suas principais alterações

A Lei 14.230/2021, sancionada em outubro de 2021, alterou a Lei de Improbidade Administrativa, trazendo novas interpretações sobre o que constitui improbidade no serviço público. 

Seu principal objetivo é estabelecer critérios mais específicos para a caracterização de atos ímprobos, garantindo que a punição seja proporcional ao dano causado e levando em conta o elemento subjetivo do agente, ou seja, sua intenção.

Principais modificações trazidas pela Lei 14.230/2021

A Lei 14.230/2021, sancionada em outubro de 2021, trouxe alterações importantes à Lei de Improbidade Administrativa (LIA), com o objetivo de proporcionar maior segurança jurídica e reduzir a interpretação subjetiva e excessivamente ampla dos atos ímprobos. 

O foco da reforma foi estabelecer parâmetros mais evidentes e objetivos sobre as condutas que devem ser tratadas como improbidade, com especial atenção à culpa do agente público e à proporcionalidade das sanções. 

Essas mudanças visam garantir que apenas atos de improbidade realmente prejudiciais à administração pública sejam passíveis de punição, ao mesmo tempo em que se oferece maior proteção aos gestores públicos que atuam com boa-fé.

Princípio da taxatividade

A introdução do princípio da taxatividade foi uma das mudanças mais significativas trazidas pela Lei 14.230/2021. Esse princípio impõe que apenas as condutas expressamente previstas na Lei de Improbidade Administrativa (LIA) ou em outras leis que possuam essa qualificação específica possam ser consideradas como atos de improbidade.

Antes da reforma, havia uma interpretação mais ampla sobre o que poderia ser considerado improbidade administrativa, o que gerava insegurança jurídica e permitia que ações fora do escopo da LIA fossem tipificadas como ímprobas. 

A partir da Lei 14.230/2021, foi dado maior rigor à definição de improbidade, restringindo-a às hipóteses descritas diretamente na LIA ou em outras normas específicas que prevejam sanções para o abuso de poder ou desvio de conduta.

Atos que, embora moralmente reprováveis, não implicassem em prejuízo ao erário ou à administração pública, poderiam, antes da reforma, ser considerados como improbidade. Agora, apenas os comportamentos que envolvem danos reais ao patrimônio público, ou que configuram abuso de autoridade, são passíveis de punição sob a LIA.

Esse princípio, ao estabelecer uma lista mais restrita de condutas ímprobas, busca evitar o uso indevido da Lei para punir situações em que não houve intenção de prejudicar a administração pública. 

Com isso, os gestores públicos agora têm mais ciência sobre o que é ou não um ato de improbidade, e as ações podem ser mais bem fundamentadas em termos jurídicos.

Mudança no elemento subjetivo (Dolo e Culpa)

Uma outra alteração de grande relevância introduzida pela reforma da LIA é a modificação na definição do elemento subjetivo necessário para a caracterização de improbidade administrativa. Antes da Lei 14.230/2021, bastava que o agente público fosse culpado (isto é, agisse com negligência ou imprudência) para que sua conduta fosse considerada como improbidade. 

Agora, a reforma exige que, em muitos casos, seja comprovado o dolo (a intenção de praticar o ato ilícito) para que a conduta seja tipificada como ímproba.

O conceito de dolo diz respeito à intenção consciente do agente de cometer o ato ilícito. Ou seja, a pessoa precisa saber que está agindo de maneira errada e querer, de fato, praticar a infração. 

Já a culpa, por sua vez, se refere à falta de cuidado, como quando o agente age com negligência ou imprudência, sem a intenção de causar dano, mas que, ainda assim, acaba prejudicando a administração pública.

A reforma veio para tornar mais rigoroso o processo de responsabilização, já que o simples erro ou a falha de planejamento, que pode ocorrer no exercício das funções administrativas, não será suficiente para configurar improbidade administrativa. 

A Lei 14.230/2021 só considera a punição quando houver a intenção deliberada de causar prejuízo ao erário ou de violar os princípios administrativos.

Em termos práticos, isso significa que gestores públicos que cometem atos administrativos sem dolo (intenção) podem não ser responsabilizados por improbidade, o que torna o sistema mais equilibrado e justo. 

Contudo, a intenção de causar dano ao erário ou aos cofres públicos ainda é punida severamente, refletindo a gravidade do ato e o nível de má-fé do agente público.

Ressarcimento e sanções

A Lei 14.230/2021 também promoveu alterações no que tange às sanções e ao ressarcimento ao erário, buscando uma aplicação mais proporcional das penalidades. 

Antes da reforma, havia um risco de punições desproporcionais, com a aplicação de sanções severas, mesmo em casos onde o prejuízo ao erário fosse pequeno ou inexistente.

A reforma trouxe uma flexibilização nas sanções, permitindo que a punição seja mais ajustada ao dano real causado. Assim, se o agente público agir de boa-fé, ou se não houver um grande prejuízo ao patrimônio público, as sanções podem ser atenuadas. Além disso, a possibilidade de ressarcimento ao erário também passou a ser tratada de forma mais evidente.

Por exemplo, o ressarcimento integral ao erário foi mantido como uma sanção fundamental, mas a nova legislação permite uma maior análise sobre o grau de dolo do infrator, o que pode resultar em uma redução da pena, dependendo da situação.

Outro aspecto importante é a proporcionalidade das sanções, que leva em conta o tamanho do dano causado pelo agente. Antes, qualquer ato de improbidade resultava em sanções severas, mas com a reforma, a punição foi calibrada para garantir que não haja penalidades excessivas para infrações de menor gravidade.

Prescrição e início de ação

A questão da prescrição também foi abordada pela Lei 14.230/2021, que reduziu os prazos para o início das ações de improbidade administrativa, visando evitar que os infratores se beneficiem da dilatação temporal para escapar das sanções. 

A reforma foi especialmente importante nesse ponto, pois estabeleceu prazos mais curtos para que o Estado possa processar e punir os atos de improbidade.

Com a introdução de prazos mais curtos, o processo de responsabilização se torna mais célere, evitando que atos de improbidade prescrevam antes que as punições sejam aplicadas. 

Antes da reforma, o prazo para que uma ação de improbidade fosse movida podia ser longo, o que resultava em casos de impunidade, quando o responsável por um ato de improbidade conseguia se esconder atrás da lentidão do processo judicial, além da insegurança jurídica pelo moroso lapso temporal.

A reforma, ao estabelecer prazos mais rígidos para o início da ação e para o curso da prescrição, visa aumentar a eficácia da punição e evitar que o tempo apague os danos causados à administração pública. Com isso, os agentes públicos sabem que, se cometerem atos de improbidade, eles serão responsabilizados de maneira mais rápida e eficaz. Por outro lado, há uma resposta para célere ao agente público, em homenagem aos direitos subjetivos do acusado.

Em termos práticos, isso significa que casos mais recentes de improbidade podem ser mais facilmente processados, enquanto casos mais antigos, com risco de prescrição, devem ser tratados com mais urgência pelos órgãos competentes.

A Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) e suas regras de improbidade

A Lei 9.504/1997, conhecida como Lei das Eleições, regula todo o processo eleitoral no Brasil. Um de seus focos principais é garantir a igualdade de oportunidades entre os candidatos e coibir práticas que possam desequilibrar o pleito, como o abuso de poder econômico ou político. 

Para alcançar esse objetivo, a Lei das Eleições estabelece várias vedações e penalidades para o uso indevido de recursos públicos durante o período eleitoral.

Condutas proibidas pelo Artigo 73 da Lei das Eleições

O Artigo 73 da Lei 9.504/1997, um dos mais importantes da Legislação Eleitoral, descreve várias condutas proibidas durante o período eleitoral, visando assegurar que o processo seja justo e imparcial. 

Essas condutas são vistas como atos de improbidade, especialmente pelo fato de envolverem o uso de recursos públicos para beneficiar candidaturas e coligações de forma ilícita.

  • Uso de bens públicos: O artigo 73 proíbe, por exemplo, o uso de bens móveis ou imóveis pertencentes à administração pública em benefício de candidatos, partidos ou coligações.
  • Uso indevido de recursos públicos: Também são proibidas condutas como a utilização de veículos, servidores públicos ou bens do Estado para fins eleitorais.
  • Promoção de benefícios ilícitos: Além disso, qualquer ação que tenha o objetivo de beneficiar um candidato ou partido, utilizando recursos públicos ou a estrutura do poder público, é vedada.

A violação dessas normas é tratada não apenas como infração eleitoral, mas também como ato de improbidade administrativa. O artigo 73, parágrafo 7º, da Lei das Eleições especifica que as condutas proibidas pelo artigo 73 podem ser consideradas como improbidade administrativa, sujeitando seus infratores às sanções da LIA.

A decisão do STJ: A improbidade e as condutas eleitorais

Recentemente, a Primeira Turma do STJ tomou uma decisão importante em um caso envolvendo um vereador que usou um celular institucional para fins eleitorais. 

O Tribunal de Justiça de São Paulo havia condenado o parlamentar por improbidade administrativa, já que o uso do celular institucional para atividades eleitorais configura abuso de poder e desvio de recursos públicos.

A grande questão foi: a reforma da Lei de Improbidade Administrativa, sancionada pela Lei 14.230/2021, afastaria a tipificação dessas condutas como improbidade? A Primeira Turma do STJ, ao analisar o caso, concluiu que a reforma da LIA não afastou as condutas previstas na Lei das Eleições do rol de atos ímprobos.

A interpretação do relator, Ministro Paulo Sérgio Domingues

O relator do caso, ministro Paulo Sérgio Domingues, afirmou que a reforma da LIA trouxe o princípio da taxatividade, mas que esse princípio se refere apenas às condutas previstas expressamente na LIA ou em outras normas especiais que tenham a mesma natureza. 

O relator ainda destacou que, em relação à Lei das Eleições, o artigo 73 e seu parágrafo 7º continuam a caracterizar a utilização indevida de recursos públicos durante o período eleitoral como ato de improbidade administrativa.

Em outras palavras, a reforma não alterou a tipificação das condutas ilícitas previstas pela Lei das Eleições, e essas ainda são passíveis de punição, com base nas normas da Lei de Improbidade Administrativa.

A manutenção das condutas como ímprobas

O STJ reafirmou que as condutas descritas no artigo 73 da Lei das Eleições, especialmente as que envolvem o uso de recursos públicos para fins eleitorais, continuam a ser caracterizadas como improbidade administrativa. 

Assim, ainda que a Lei 14.230/2021 tenha trazido novas limitações para a tipificação de atos de improbidade, a legislação eleitoral mantém sua força em relação ao combate ao abuso de poder e uso indevido de bens públicos no contexto eleitoral.

Impacto da decisão do STJ e da reforma da LIA nas sanções por improbidade

A decisão do STJ, embora tenha reafirmado a continuidade da tipificação das condutas da Lei das Eleições como atos ímprobos, também trouxe uma importante alteração no tocante às sanções aplicáveis. 

A Lei 14.230/2021, de fato, modificou alguns aspectos das penalidades previstas pela Lei de Improbidade Administrativa, especialmente no que diz respeito à suspensão dos direitos políticos.

Mudanças nas sanções pela Lei 14.230/2021

Uma das grandes mudanças trazidas pela reforma foi a restrição na aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos. Antes da reforma, em muitos casos de improbidade, a suspensão dos direitos políticos poderia ser aplicada, mesmo para condutas menos graves. 

Com a Lei 14.230/2021, a suspensão dos direitos políticos foi retirada de algumas situações, limitando seu uso apenas a casos de improbidade mais grave e que envolvessem dolo.

No caso específico do vereador, a pena de suspensão dos direitos políticos foi retirada pelo STJ, com base na interpretação do relator, que entendeu que a reforma havia modificado as condições para a imposição dessa sanção. 

No entanto, outras sanções, como a perda de bens ou a imposição de multas, podem continuar sendo aplicadas dependendo da gravidade do ato e do dano causado.

Sanções mais proporcionais

A reforma trouxe, assim, um caráter mais proporcional às sanções, estabelecendo uma relação mais estreita entre a gravidade da conduta e a punição. 

Isso visa evitar punições excessivas para atos que, embora ilegais, não envolvem grandes danos ao erário ou à administração pública.

Implicações práticas da decisão do STJ para a administração pública e os gestores eleitorais

A decisão do STJ, somada à reforma da LIA, tem implicações diretas tanto para os gestores públicos quanto para os advogados especializados em direito eleitoral e administrativo. 

O entendimento do STJ de que a Lei das Eleições continua a definir condutas como improbidade administrativa, mesmo após a reforma, reforça a necessidade de maior cautela por parte dos agentes públicos durante o período eleitoral.

Para os gestores públicos

A decisão é um alerta de que o uso indevido de bens públicos para fins eleitorais continua a ser severamente punido. Portanto, os gestores devem estar atentos a essa questão, garantindo que as normas eleitorais sejam respeitadas e que os recursos públicos não sejam desviados para beneficiar candidatos ou partidos.

Para os Advogados

Os advogados especializados em improbidade administrativa e direito eleitoral devem estar preparados para lidar com casos que envolvem o uso de recursos públicos em campanhas eleitorais. 

A decisão do STJ reforça a necessidade de assessorar corretamente os clientes para evitar que ações ilícitas sejam praticadas e, caso ocorram, garantir a melhor defesa possível.

Conclusão

A reforma da Lei de Improbidade Administrativa, com a Lei 14.230/2021, trouxe mudanças importantes para o combate à corrupção e ao abuso de poder no Brasil. 

Embora tenha limitado a tipificação de certos atos como ímprobos, ela não excluiu as condutas previstas em outras leis, como a Lei das Eleições, que continuam a ser tratadas como improbidade administrativa.

A decisão do STJ esclarece que as condutas eleitorais que envolvem o uso indevido de bens públicos durante a campanha permanecem sujeitas às sanções da Lei de Improbidade, demonstrando a necessidade de vigilância contínua sobre o uso de recursos públicos em contextos eleitorais.

Os gestores públicos e advogados precisam estar cientes dessas mudanças e preparados para agir conforme a legislação atual, garantindo a probidade administrativa e a lisura dos processos eleitorais.

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