A justa causa é um dos temas mais discutidos no direito trabalhista, gerando inúmeras dúvidas tanto para empregados quanto para empregadores. Quando ocorre a demissão por justa causa, o trabalhador é dispensado do seu contrato de trabalho devido a uma falta grave, que pode variar de comportamento inadequado a desídia (falta de empenho no trabalho).
No entanto, nem toda demissão por justa causa é legítima. Existem situações em que o trabalhador pode contestar a demissão, alegando que a razão dada para a rescisão foi indevida.
Neste artigo, abordaremos quando a demissão por justa causa indevida pode ser contestada e como o trabalhador pode buscar a reversão da decisão e até mesmo uma indenização por danos morais.
O que é a justa causa e quando ela é aplicada?
A justa causa é prevista no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e define as situações que autorizam o empregador a demitir o trabalhador sem o pagamento das verbas rescisórias tradicionais, como aviso prévio e indenização de férias e 13º salário.
Para que uma demissão seja considerada por justa causa, é necessário que o empregador demonstre que o empregado cometeu uma falta grave que comprometeu a relação de confiança entre as partes.
Entre as causas mais comuns de demissão por justa causa, destacam-se:
- Desídia no desempenho das funções;
- Ato de indisciplina ou insubordinação;
- Abandono de emprego;
- Improbidade ou fraude no exercício das funções;
- Embriaguez habitual ou em serviço.
A justificativa para essas demissões é que o empregado, ao cometer essas infrações, demonstra comportamento incompatível com as exigências do contrato de trabalho, prejudicando a convivência e o bom andamento da empresa.
Quando a justa causa é indevida?
A demissão por justa causa é um ato que ocorre quando o empregador considera que o empregado cometeu uma infração grave, que compromete a confiança mútua e a continuidade do vínculo trabalhista.
No entanto, nem sempre essa justificativa é válida. Em muitos casos, a justa causa pode ser considerada indevida, ou seja, a demissão pode ser considerada ilegal ou injustificada.
Isso acontece quando a justificativa apresentada pelo empregador para a demissão não está de acordo com a gravidade da falta ou, até mesmo, quando a acusação feita não tem respaldo nas evidências ou é desproporcional ao erro cometido.
Algumas situações comuns que podem caracterizar a indevidade da justa causa incluem:
- Falta de provas ou evidências concretas
Para que a demissão por justa causa seja válida, o empregador deve comprovar a infração cometida pelo trabalhador. Isso significa que, em um eventual processo judicial, o empregador precisará apresentar provas que sustentem a acusação da falta grave. Caso o empregador não consiga demonstrar de maneira concreta a infração, a demissão será considerada indevida.
Por exemplo, no caso de insubordinação, o empregador pode alegar que o empregado desobedeceu a uma ordem direta. No entanto, se essa acusação não for corroborada por testemunhas ou documentos, o trabalhador poderá contestar a decisão.
A falta de provas suficientes pode ser um fundamento sólido para o empregado reverter a demissão, podendo até pedir sua reintegração ao cargo ou uma indenização por danos morais.
- Punição excessiva ou desproporcional
Outro motivo para a indevidade da justa causa ocorre quando o trabalhador comete uma infração, mas a punição aplicada é excessiva ou desproporcional. Embora o empregador tenha o direito de dispensar o empregado por justa causa, ele deve observar o princípio da proporcionalidade, ou seja, a gravidade da infração deve ser compatível com a punição imposta.
Imagine que um empregado cometeu uma falha simples, como o descumprimento de um prazo de entrega. Caso o empregador opte por demiti-lo por justa causa, essa punição pode ser considerada desproporcional, especialmente se o erro foi pontual e não comprometeu de forma significativa o desempenho da empresa.
O empregador deve considerar as outras medidas corretivas (advertências, suspensões) não seriam mais adequadas antes de adotar a medida extrema da demissão por justa causa.
- Adoecimento do trabalhador
Situações em que o trabalhador está em uma condição vulnerável também podem tornar a justa causa indevida. Isso ocorre especialmente quando o trabalhador sofre de uma doença grave ou se encontra em um estado de gravidez.
Nestes casos, a demissão por justa causa pode ser considerada abusiva e configurada como discriminação, o que dá ao trabalhador o direito de reverter a demissão.
O empregador tem o dever de proteger a saúde e o bem-estar do empregado. A demissão por justa causa em momentos de fragilidade, como a gestação ou durante um tratamento médico, pode ser interpretada como uma forma de abuso de poder, e o trabalhador tem o direito de buscar a reintegração ao trabalho ou indenização por danos morais.
- Tentativas de correção de comportamento
Antes de aplicar uma demissão por justa causa, o empregador deve tentar corrigir o comportamento inadequado do empregado por meio de outras medidas disciplinares, como advertências e suspensões. Se o trabalhador recebeu essas punições e demonstrou boa-fé e intenção de melhorar seu comportamento, a demissão por justa causa pode ser contestada.
Por exemplo, se um trabalhador foi advertido repetidamente por atrasos no trabalho e demonstrou comprometimento em resolver esse problema (com mudanças no seu comportamento, como cumprimento de horários), mas ainda assim foi demitido por justa causa, isso pode ser considerado um ato de má-fé por parte do empregador.
Nesses casos, a demissão poderá ser revertida por meio de ação trabalhista, buscando uma indenização ou até a reintegração ao cargo.
Como reverter a demissão por justa causa indevida?
Quando a demissão é considerada indevida, ou seja, sem fundamento legal, o trabalhador possui algumas opções legais para buscar a reversão dessa decisão. Abaixo, explicamos as possíveis alternativas para o empregado que deseja contestar a justa causa.
1. Ação de reintegração ao emprego
A reintegração é uma das opções mais comuns quando a demissão é indevida. Caso o trabalhador consiga comprovar que a sua dispensa foi ilegal ou injustificada, ele pode solicitar sua reintegração ao cargo que ocupava anteriormente.
Para isso, é necessário entrar com uma ação trabalhista, onde o juiz avaliará se a demissão por justa causa é válida ou se o trabalhador deve retornar ao seu posto de trabalho, com o pagamento dos salários desde a data da dispensa.
2. Pedido de indenização por danos morais
Além da reintegração, o trabalhador também pode pleitear uma indenização por danos morais. Isso acontece quando a demissão indevida causa um prejuízo emocional, psicológico ou financeiro significativo ao empregado.
A indenização por danos morais busca reparar o sofrimento causado pela demissão arbitrária ou excessivamente punitiva. Em muitos casos, a demissão indevida pode impactar negativamente a reputação do trabalhador no mercado de trabalho, configurando um motivo legítimo para a solicitação de compensações monetárias.
3. Rescisão indireta do contrato de trabalho
Se o trabalhador não quiser mais retornar ao ambiente de trabalho, ele pode optar pela rescisão indireta do contrato. Nesse caso, a rescisão indireta ocorre quando o empregador comete uma falta grave, como a demissão indevida ou abuso de poder, tornando o ambiente de trabalho insustentável para o empregado.
Com a rescisão indireta, o trabalhador poderá solicitar o pagamento das verbas rescisórias, como saldo de salários, férias e 13º salário proporcionais, além de indenização por danos morais, se for o caso. Esse caminho é utilizado quando o empregado não deseja mais trabalhar na empresa após a quebra da relação de confiança.
4. Ação judicial para reparo de verbas rescisórias
Em muitos casos, a reversão da justa causa não resulta na reintegração ao emprego, mas o trabalhador ainda tem o direito de receber as verbas rescisórias que seriam devidas em uma demissão sem justa causa.
Isso inclui o pagamento de aviso prévio, férias vencidas e proporcionais, 13º salário proporcional, entre outros direitos. O trabalhador pode entrar com uma ação judicial para garantir o pagamento dessas verbas.
Jurisprudência sobre a reversão da demissão por justa causa indevida
A jurisprudência trabalhista tem se tornado cada vez mais favorável ao trabalhador que tem sua demissão por justa causa contestada, especialmente em casos em que a falta de provas, a desproporcionalidade da punição ou a ausência de advertências prévias tornam a demissão indevida.
Isso reflete uma tendência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e das instâncias inferiores em proteger os direitos dos empregados, garantindo que não sejam prejudicados de forma injusta e, quando isso ocorre, buscando reparação dos danos.
1. A Falta de Provas como Elemento Decisivo
O princípio da presunção de inocência também se aplica no âmbito trabalhista, especialmente quando se trata de demissões por justa causa. Os tribunais têm destacado que, para que a demissão seja válida, é necessário que o empregador tenha provas concretas da infração cometida pelo trabalhador. Faltas graves, como insubordinação, desídia ou improbidade, precisam ser documentadas de forma clara e objetiva.
Se o empregador não apresentar provas ou se as evidências forem frágeis, a demissão por justa causa será considerada indevida. Essa falta de evidência pode levar à reversão da demissão, obrigando o empregador a reintegrar o trabalhador ou, caso isso não seja possível, a pagar as verbas rescisórias devidas e indenização por danos morais.
Um exemplo disso ocorre quando o empregador alega uma insubordinação, mas não consegue apresentar testemunhas ou documentos que comprovem a recusa do trabalhador em cumprir uma ordem. Nesse caso, a falta de provas claras pode resultar na nulidade da demissão e na necessidade de reparação ao trabalhador.
2. Desproporcionalidade da punição: O princípio da proporcionalidade
A desproporcionalidade entre a infração cometida e a punição aplicada também é um fator importante para que a demissão por justa causa seja considerada indevida. O Tribunal Superior do Trabalho tem enfatizado que a justa causa deve ser uma medida extrema e que o empregador deve observar o princípio da proporcionalidade.
Por exemplo, se o trabalhador comete um erro isolado, como um pequeno atraso no cumprimento de um prazo, a demissão imediata pode ser considerada uma punição excessiva e desproporcional.
Em vez disso, o empregador deveria ter aplicado advertências ou suspensões progressivas, buscando corrigir o comportamento do trabalhador antes de tomar a decisão drástica da demissão por justa causa.
3. A falta de advertências prévias ou medidas corretivas
Outro ponto importante que tem sido ressaltado pela jurisprudência trabalhista é a obrigação do empregador de adotar medidas corretivas progressivas, como advertências e suspensões, antes de chegar à demissão por justa causa. Isso é fundamental para que o trabalhador tenha a oportunidade de corrigir seu comportamento.
Em diversas decisões, o TST tem entendido que, caso o empregador não tenha aplicado advertências ou medidas corretivas antes de optar pela demissão por justa causa, a falta de advertências formais pode invalidar a decisão.
O trabalhador deve ser tratado de forma justa, e o empregador tem a responsabilidade de tentar resolver o problema de forma mais branda, antes de adotar a medida extrema de demitir o empregado.
Um exemplo prático seria um trabalhador que tem atrasos frequentes no trabalho. Se o empregador não o advertir formalmente antes de demiti-lo por justa causa, essa falta de tentativa de correção pode levar à nulidade da demissão e ao pagamento das verbas rescisórias, além de possível indenização por danos morais.
4. A Alegação de danos morais
Além da reversão da demissão, em casos de demissão indevida, os tribunais também reconhecem que o trabalhador pode ser individualmente prejudicado pela demissão injusta, especialmente no que tange à sua imagem profissional. A jurisprudência tem afirmado que, ao ser demitido injustamente, o trabalhador pode sofrer dano moral, pois a rescisão do contrato de trabalho pode afetar sua honra, imagem e até mesmo sua capacidade de conseguir um novo emprego.
Por exemplo, se um trabalhador é demitido por uma acusação de fraude, mas não há provas concretas, ele pode sofrer danos emocionais e reputacionais, afetando sua carreira futura. Nesse caso, ele tem o direito de buscar uma indenização por danos morais.
Exemplo de Jurisprudência Favorável ao Trabalhador
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem emitido diversas decisões que protegem os direitos do trabalhador em casos de demissão por justa causa indevida. Um exemplo clássico é quando o TST determina que a demissão por justa causa indevida deve ser revertida, com a reintegração do trabalhador ou, caso isso não seja possível, com o pagamento das verbas rescisórias devidas, além de indenização por danos morais.
Em um caso recente, o TST considerou abusiva a demissão por justa causa de um trabalhador que alegou ter sido acusado de insubordinação sem provas suficientes para comprovar a infração. A decisão foi favorável ao trabalhador, que foi reintegrado ao cargo, e a empresa foi condenada a pagar as verbas rescisórias e uma indenização pelos danos morais causados.
Como prevenir a demissão por justa causa indevida?
Para evitar que a demissão por justa causa seja contestada judicialmente, os empregadores devem tomar alguns cuidados durante o processo disciplinar.
Documentação adequada
Sempre que o empregador identificar uma falta do trabalhador, é fundamental que ele documente adequadamente todas as infrações cometidas, bem como as medidas corretivas adotadas. Advertências e comunicados formais são essenciais para que, em caso de questionamento judicial, o empregador tenha provas de que agiu de maneira legal e proporcional.
Proporcionalidade nas punições
A proporcionalidade deve ser sempre observada. O empregador não deve recorrer à demissão por justa causa de forma imediata, especialmente para faltas que podem ser corrigidas por medidas menos severas. A demissão por justa causa deve ser a última instância, após o trabalhador ter sido devidamente advertido ou punido de maneira progressiva.
Consultoria Jurídica
Caso o empregador tenha dúvidas sobre a legalidade da justa causa, é altamente recomendável que ele busque a orientação de um advogado especializado em direito trabalhista. A consultoria jurídica pode ajudar a evitar erros graves que resultem em ações judiciais e danos financeiros para a empresa.
Conclusão
A demissão por justa causa indevida é um tema recorrente no direito trabalhista, e é fundamental que tanto empregador quanto empregado compreendam seus direitos e deveres. O trabalhador que é demitido injustamente pode buscar a reversão da justa causa e até mesmo pleitear uma indenização por danos morais.
A melhor forma de evitar disputas é agir com transparência, garantir que todas as evidências sejam documentadas e respeitar as regras da proporcionalidade nas ações disciplinares.
Em situações de dúvida ou conflito, sempre é recomendável procurar o auxílio de um advogado especializado em direito trabalhista para analisar cada caso de forma minuciosa e encontrar a melhor solução para ambas as partes.