Sabemos que o exercício da advocacia é pautado pela busca incessante da justiça e pela defesa dos direitos fundamentais. Em um cenário jurídico cada vez mais complexo, um direito que nunca deve ser negligenciado e que exige atuação firme dos advogados é o da sustentação oral.
Embora muitas vezes considerada uma formalidade, ela representa muito mais do que isso, é a materialização de princípios constitucionais como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.
Este artigo busca não apenas esclarecer o papel da sustentação oral dentro do processo judicial, mas também destacar a importância de sua efetiva utilização.
Ao analisarmos as raízes constitucionais dessa garantia, os desafios práticos que enfrentamos e as mudanças trazidas pela legislação recente, podemos entender melhor a sua finalidade no processo judicial e como pode ser utilizada para assegurar os direitos fundamentais dos jurisdicionados.
A fundamentação constitucional da sustentação oral
A sustentação oral no processo judicial não é uma simples formalidade ou conveniência. Ela representa um direito fundamental do advogado e do jurisdicionado, sendo um pilar da justiça e da democracia.
A sua importância vai além da prática forense cotidiana, já que ela tem por objetivo assegurar a efetividade de princípios constitucionais indispensáveis ao processo judicial, tais como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.
A Constituição de 1988, ao dispor sobre os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, construiu um arcabouço jurídico robusto para proteger a participação ativa dos litigantes no processo, destacando o papel essencial do advogado como garantidor dessas prerrogativas.
O devido processo legal e a ampla defesa: Princípios incontornáveis
O artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal de 1988 estabelece que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
A expressão “devido processo legal” não se limita a uma simples formalidade procedimental. Ela implica que qualquer ato que envolva a restrição de direitos do indivíduo deve seguir um processo justo, transparente e equilibrado, no qual o princípio da ampla defesa e o contraditório são condições imprescindíveis para a validação da decisão judicial.
Isso reflete o direito do indivíduo de ser ouvido, de poder contestar as alegações da parte adversária e de ter acesso a todos os meios legais para contestar ou refutar essas alegações. É a denominada dialética processual.
Em outras palavras, o devido processo legal não diz respeito apenas a uma sequência de atos procedimentais, mas também à garantia de que todos os envolvidos no processo tenham a oportunidade de participar da construção da decisão, com todos os meios e recursos possíveis.
Dentro deste contexto, o direito à ampla defesa é uma das pedras angulares que asseguram ao indivíduo a capacidade de proteger seus direitos perante a justiça. A ampla defesa, garantida pelo art. 5º, inciso LV, garante aos litigantes o direito de se manifestar sobre os atos do processo e de produzir todas as provas e argumentos possíveis para contestar as alegações da parte contrária.
A sustentação oral é, portanto, um dos mecanismos mais eficazes para assegurar que a parte tenha uma oportunidade real de se defender, podendo, inclusive, apresentar argumentos novos, um olhar inédito ou reforçar argumentos já expostos nas peças processuais.
Ela tem o papel crucial de proporcionar ao julgador uma visão mais completa e humanizada do caso, que muitas vezes não pode ser alcançada apenas por intermédio da análise dos autos do processo.
A sustentação oral como instrumento de garantia ao contraditório
O contraditório, conforme estabelecido pela Constituição Federal, assegura que ninguém seja privado de seus direitos sem antes ter a oportunidade de se manifestar sobre os argumentos e provas apresentados pela parte contrária.
Este princípio visa garantir que as decisões judiciais sejam o resultado de um processo equilibrado e que todos os envolvidos tenham a oportunidade de influenciar a decisão final, proporcionando uma jurisdição mais justa e imparcial.
A sustentação oral é um dos meios mais importantes para que o contraditório seja plenamente exercido. Ao permitir que o advogado tenha a palavra diretamente diante do colegiado, a sustentação oral oferece uma plataforma para que os argumentos de ambas as partes sejam devidamente confrontados de forma evidente e direta.
Ela assegura que os juízes não decidam sem ter ouvido as razões de todos os envolvidos, garantindo que o contraditório seja efetivo e não apenas formal. Isso é especialmente relevante em processos complexos, onde a leitura dos autos por si só não é suficiente para captar todas as nuances do caso.
A possibilidade de se manifestar oralmente permite ao advogado destacar pontos que podem ter sido abordados de maneira suficiente ou não argumentados nas peças processuais, e dessa forma, assegurar que as partes possam contestar os elementos do julgamento antes da decisão final.
A sustentação oral, portanto, não se limita a uma simples formalidade processual, mas constitui um direito essencial à administração da justiça, sendo fundamental para a construção de uma decisão equilibrada, livre de erros e equívocos que poderiam comprometer a verdade real do processo.
A indispensabilidade do advogado no processo judicial
A Constituição Federal, em seu artigo 133, estabelece que “o advogado é indispensável à administração da justiça”. Este princípio não se refere apenas ao direito de exercer a profissão, mas sublinha a função essencial do advogado como um guardião da justiça.
O advogado, ao participar de um processo judicial, exerce a função de intermediário entre o cidadão e o Estado, sendo fundamental para assegurar que os direitos do indivíduo sejam respeitados.
Essa indispensabilidade do advogado fica ainda mais evidente quando observamos o papel da sustentação oral. Durante o julgamento, o advogado não é apenas um técnico que apresenta argumentos jurídicos; ele é um verdadeiro porta-voz da justiça, cujo papel é garantir que as decisões judiciais sejam tomadas de maneira equilibrada e fundamentada, sempre em conformidade com os direitos do seu representado.
A sustentação oral é uma das formas pelas quais o advogado exerce sua função, oferecendo ao Tribunal uma interpretação detalhada e profunda dos fatos, das leis e da jurisprudência que envolvem o caso, além de transmitir ao colegiado o ponto de vista do seu representado.
Por meio da sustentação oral, o advogado reforça a importância da sua presença no processo judicial. Sem a atuação do advogado, o sistema judiciário perderia a legitimidade que lhe é conferida pela Constituição, já que não haveria ninguém para garantir a plena defesa dos direitos dos litigantes.
O advogado é a parte que conhece profundamente os meandros do direito, que entende as complexidades do caso e que possui as ferramentas necessárias para apresentar a melhor defesa possível para seu cliente. É a denominada defesa técnica.
A evolução da sustentação oral no sistema jurídico brasileiro
A consolidação do direito à sustentação oral no Brasil é recente, mas reflete a busca contínua por um processo mais democrático e transparente.
Desde a Constituição de 1988 até as reformas trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 e pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), a sustentação oral ganhou uma relevância cada vez maior, refletindo não apenas a evolução das normas jurídicas, mas também a importância crescente da advocacia no processo de aplicação do direito.
A Lei 8.906/94 e a ampliação do direito à sustentação oral
A Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), ao consagrar o direito do advogado de sustentar oralmente, proporcionou um avanço significativo.
O art. 7º, inciso IX, do Estatuto assegura que o advogado pode sustentar oralmente as razões de qualquer processo ou recurso, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, pelo prazo de 15 minutos (salvo se outro prazo for concedido pelo tribunal).
Esse dispositivo foi uma das primeiras garantias formais do direito à sustentação oral, refletindo a crescente valorização da atuação do advogado no processo judicial.
O legislador, ao assegurar esse direito, reconheceu a importância do papel do advogado em garantir um julgamento justo e equilibrado.
O Supremo Tribunal Federal e a sustentação oral após o voto do relator
É importante destacar que, embora a Lei 8.906/94 tenha garantido o direito à sustentação oral, o Supremo Tribunal Federal (STF), na ADIN 1.127/DF, julgou inconstitucional a possibilidade de o advogado sustentar oralmente após o voto do relator.
A decisão foi no sentido de que tal prática causaria tumulto processual e afetaria o devido processo legal, já que o contraditório seria prejudicado.
Entretanto, o STF não se manifestou sobre a inconstitucionalidade do direito do advogado sustentar oralmente em qualquer fase do processo, deixando claro que a sustentação oral é um direito garantido, independentemente da fase processual.
Os desafios da sustentação oral: Entre a prática e a teoria
Embora o direito à sustentação oral esteja consagrado em nossa legislação e seja uma ferramenta essencial para a ampla defesa e o contraditório, sua aplicação na prática enfrenta uma série de desafios que precisam ser compreendidos e superados.
Apesar de garantir que o advogado tenha a oportunidade de expor os argumentos de seu cliente diretamente aos julgadores, os obstáculos da realidade forense nem sempre respeitam a letra da lei.
Por um lado, muitos tribunais, especialmente os de maior movimentação processual, têm adotado restrições que diminuem a efetividade desse direito.
A limitação do tempo e o número elevado de processos nas pautas de julgamento são fatores que impõem uma pressão significativa sobre os advogados, dificultando a realização de uma sustentação oral completa e que abarque a complexidade dos casos.
Por outro lado, para os advogados, a preparação para a sustentação oral é um verdadeiro desafio. Embora a prática da advocacia seja constantemente marcada por exigências de rapidez e eficiência, a sustentação oral exige mais do que simples agilidade.
Ela exige uma articulação precisa e estratégica dos argumentos, algo que só é possível com um bom planejamento e uma compreensão profunda do caso.
A teoria por trás da sustentação oral, muitas vezes, precisa ser adaptada para a realidade de tribunais lotados e pautas apertadas, o que exige que os advogados saibam lidar com imprevisibilidade e pressão de maneira eficaz.
O desafio da sustentação oral não está apenas no domínio do direito, mas também na habilidade de se comunicar de forma adequada e impactante, mesmo quando as condições para isso não são ideais.
A duração das sessões e a efetividade da sustentação oral
O tempo é um dos maiores desafios que os advogados enfrentam no momento da sustentação oral. A legislação garante, em regra, um tempo de 15 minutos para a realização da sustentação oral, conforme o art. 7º, inciso IX da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), mas essa previsão encontra-se frequentemente limitada pelas realidades da prática judicial.
Em tribunais com grande volume de processos, as pautas podem ser extremamente cheias, o que faz com que o tempo seja reduzido pelo advogado para garantir que sua palavra seja efetivamente ouvida e eficiente.
Diante do acúmulo de processos na pauta, o advogado deve ter habilidade e sensibilidade de reduzir o tempo de exposição. Assim, um advogado que tenha um caso complexo, com vários pontos a serem discutidos, deve condensar suas ideias de forma rápida, sem prejudicar a profundidade da análise. Nessa esteira, a denominada distribuição de memoriais, que é um resumo do processo, deve ser distribuído aos julgadores.
Esse é um ponto crucial que todo advogado deve entender e considerar ao preparar sua sustentação oral. Quando o tempo é curto, é preciso saber filtrar o essencial e articular os pontos mais relevantes de maneira clara e eficaz.
O desafio aqui não é apenas expor o que está nos autos, mas demonstrar ao tribunal de maneira rápida e impactante os elementos essenciais do caso, destacando as questões que realmente merecem atenção.
Como tornar a sustentação oral mais eficiente
Quando o tempo para a sustentação oral é limitado, a preparação se torna ainda mais essencial. Embora seja difícil prever as condições exatas de cada julgamento, o advogado deve adotar algumas estratégias para tornar a sustentação oral mais eficiente e assertiva.
A articulação precisa dos argumentos é um fator-chave para uma boa sustentação, especialmente quando o tempo é escasso.
- Preparação detalhada e estratégica: O advogado deve começar a preparação com uma leitura atenta dos autos, destacando os pontos fortes e fracos do caso. É importante entender profundamente o processo para ser capaz de selecionar os pontos mais críticos e decisivos. A partir dessa análise, deve-se elaborar um esboço claro da argumentação que será apresentada, estruturando-a de forma lógica e coesa.
- Foco nos pontos essenciais: Quando o tempo é limitado, a tentação de apresentar muitos detalhes pode ser grande, mas isso pode fazer com que a sustentação perca o impacto necessário. O advogado precisa selecionar as questões mais relevantes para a defesa do seu cliente e focar nelas. A clareza e a objetividade serão essenciais para capturar a atenção dos julgadores e fazer com que a argumentação tenha o peso necessário.
- Uso de recursos da oratória: O uso estratégico de recursos orais, como a entonação de voz e a linguagem corporal, pode ser extremamente útil para impactar os julgadores. A combinação de palavras e entonação da voz pode facilitar a compreensão de temas difíceis e criar uma conexão mais forte com o colegiado.
Adotando essas estratégias, o advogado torna sua sustentação oral mais eficiente, mesmo diante de limitações de tempo, conseguindo transmitir ao colegiado os pontos mais importantes do seu argumento de forma clara, direta e persuasiva.
A importância da qualificação contínua para o advogado
A habilidade de realizar uma sustentação oral eficaz é apenas uma parte das várias competências, habilidades e atribuições exigidas do advogado moderno. A qualificação contínua é uma necessidade permanente na profissão, e mais ainda quando se trata de um campo dinâmico e desafiador como o processo judicial.
- Oratória e comunicação: A arte de falar em público é uma habilidade que se aperfeiçoa com o tempo e a prática. Treinamentos de oratória são fundamentais para advogados que desejam melhorar sua capacidade de se comunicar de forma clara, eficiente e persuasiva. Essas habilidades ajudam o advogado a estruturar melhor seu discurso, usar a entonação e o ritmo de forma eficaz, e controlar sua ansiedade em momentos de pressão.
- Estudo constante da jurisprudência: A jurisprudência desempenha um papel fundamental nas sustentações orais, pois ela proporciona ao advogado referências e precedentes que podem ser utilizados para sustentar suas argumentações. Estar atualizado com as decisões dos tribunais superiores e as interpretações mais recentes da lei é essencial para que o advogado tenha uma base sólida em suas argumentações, o que confere mais credibilidade à sua fala.
- Acompanhamento das modificações legislativas: O campo do direito está sempre mudando, e novas leis ou modificações nas já existentes podem impactar diretamente o caso em questão. Manter-se atualizado sobre as alterações legislativas é imprescindível para que o advogado tenha plena compreensão das regras que regem os processos e para que possa apresentar uma argumentação jurídica que esteja em conformidade com as novas normas.
- A importância da experiência prática: Além do estudo teórico, a experiência prática no Tribunal é insubstituível. A vivência diária em Tribunais, seja em sustentações orais, audiências ou outros momentos processuais, proporciona ao advogado um aprendizado contínuo que é fundamental para o aprimoramento de suas habilidades técnicas e de comunicação.
Conclusão: Sustentação oral como pilar da justiça
A sustentação oral vai muito além de um direito formal ou de uma etapa processual. Ela é um dos pilares fundamentais para a garantia dos direitos constitucionais do cidadão, como o direito à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal.
Para os advogados, ela representa a oportunidade de mostrar ao Tribunal o valor dos nossos argumentos e a justiça dos pleitos, sendo um direito que deve ser sempre exercido com seriedade, competência e respeito.
Embora existam desafios práticos, a garantia constitucional da sustentação oral deve ser defendida e valorizada em todas as fases do processo. O advogado possui a responsabilidade de garantir que a pretensão do cliente seja ouvida e que a justiça prevaleça.